quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Por que o torcedor do Santos deve se animar com o trabalho de Paulo Autuori

Diretor de futebol tem a missão de espelhar nas equipes de base um mesmo modelo de jogo e ser mais zeloso com as contratações. E ele trouxe um especialista para ajudá-lo

Por Globoesporte.com

Paulo Autuori completa um mês no Santos nesta quinta-feira. Contratado como diretor de futebol, o técnico (que não desistiu totalmente da carreira de treinador, mas ressaltou que não desempenhará essa função em caso de saída de Jorge Sampaoli) tem um escopo de trabalho gigantesco:

Ser a voz da razão e do equilíbrio num clube que tem um presidente como José Carlos Peres e um treinador como Jorge Sampaoli, como fez no caso Jean Mota;
Espelhar nas equipes de base um mesmo modelo de jogo, semelhante ao usado no profissional;

Ser mais criterioso nas contratações, já que o dinheiro anda curto e é preciso usá-lo com sabedoria.

Para a primeira função, não há segredo. Autuori usa o bom senso que o acompanha há quatro décadas no futebol.

Para as outras duas, Autuori trouxe William Thomas. Novo coordenador do setor de análise de desempenho do Santos (de todo o departamento, e não só do time de cima), Thomas chega respaldado por um currículo acadêmico respeitável (com cursos na Espanha e na Inglaterra) e, principalmente, pelo excelente trabalho feito no Athletico entre 2013 e 2018, onde atuou com o próprio Autuori.


Paulo Autuori completa nesta quinta-feira um mês como diretor de futebol do Santos
Foto: Ivan Storti/Santos FC

E aqui vai um relato pessoal: na semana passada acompanhei um seminário de análise de desempenho, promovido pela Federação Paulista, no Museu do Futebol, no Pacaembu. Quase 200 pessoas lotaram o auditório – a imensa maioria já trabalha na área. Dentre os palestrantes, profissionais de Flamengo, Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Cruzeiro. Nenhum outro, porém, chamou mais a atenção do que William Thomas.

Nos bastidores, todos queriam saber mais do novo profissional do Santos sobre o trabalho dele no "DIF" (Departamento de Informação do Futebol) do Athletico. Como se cria um Renan Lodi? Como se acha um Bruno Guimarães?

Um departamento de análise de desempenho existe para isso. Com a imensa quantidade de dados disponível hoje em dia (vídeos, estatísticas, relatos de olheiros... de jogadores do mundo todo), cabe ao analista encontrar a peça certa. E, para ter êxito, você precisa ter um modelo de jogo bem definido.


Grosso modo: não adianta o sub-15 jogar no 3-5-2 e o sub-17 no 4-5-1 se o sub-20 e o profissional estão no 4-3-3. Falando mais detalhadamente: você precisa saber se vai usar um lateral que jogue bem aberto ou seja do tipo que constrói por dentro, por exemplo.

É aí que entram Autuori e Thomas.

– Quando se contrata muitos jogadores, significa falta de planificação da época anterior. No futebol brasileiro tem muita contratação que dirigente faz porque gosta. Precisamos ser mais assertivos – disse Autuori, em entrevista coletiva.


William Thomas, coordenador de análise de desempenho do Santos, em seminário de análise de desempenho promovido pela Federação Paulista — Foto: Rodrigo Corsi/FPF

Se você ainda está em dúvida, essa declaração de Autuori foi uma forma bem elegante de criticar a contratação do volante Jobson, que fez um bom Paulistão pelo RB Brasil, mas não joga com Sampaoli pelo simples fato de não se encaixar no esquema do treinador. O argentino precisava de um volante dinâmico como Diego Pituca ou Jean Lucas. Ganhou um que é técnico, de bom toque de bola, mas de pouquíssima intensidade.


Essa não é, nem de longe, porém, a contratação mais questionável do Santos nos últimos anos. Em 2018, Bryan Ruiz chegou pelo que fez na Copa de 2014 (!), e não pelo que vinha fazendo em Portugal (era reserva do hoje vascaíno Bruno César no Sporting) – e com um salário nada barato. Resultado: com 34 anos, está encostado há oito meses, esperando um clube que o contrate sonhando com aquelas atuações do Mundial no Brasil.

A diretoria anterior fez barbeiragens ainda maiores. Leandro Donizete, já há muito em curva descendente no Atlético-MG, foi um capricho de Dorival Júnior – mas pelo menos foi um pedido do treinador. Inexplicável mesmo foi Fabián Noguera, indicado por um garçom (!!!) argentino a Luiz Taveira, empresário de estimação do ex-presidente Modesto Roma Júnior. E sim, tanto Leandro Donizete como Fabián Noguera ainda têm contrato com o Santos...

Fabián Noguera, o incrível caso do jogador contratado pelo Santos por indicação de um garçom argentino a um empresário ligado ao presidente Modesto Roma Júnior... 
 Foto: Ivan Storti/Santos FC

A fonte não seca por acaso

Autuori e Thomas precisam ter autonomia para reformular todo o departamento de futebol do Santos, principalmente a base, que tem tido resultados cada vez piores. Veja: no elenco de Sampaoli, só três formados no clube jogam com frequência, e todos são de "turmas" antigas – Gustavo Henrique e Alison foram promovidos em 2013 e Lucas Veríssimo subiu em 2016. Com a exceção louvável de Rodrygo (que, na verdade, estava no clube desde os 11 anos), não surgiu mais ninguém na base pronto para o profissional. A fonte não seca por acaso.

O modelo de Autuori e Thomas, da base para o profissional, é fundamentado em quatro pilares: negócio, captação, formação e análise.

Eles vão coordenar um departamento responsável por reunir e processar dados, editando vídeos, analisando o mercado, observando atletas em todo o país (de 14 anos para cima) e passando todas essas informações para as comissões técnicas das categorias sub-15, sub-17, sub-20 e elenco principal. Não é pouca coisa.

E o custo desse investimento não costuma ser alto. No mesmo seminário que citei acima, Rafael Vieira, analisa de desempenho que acompanha o técnico Mano Menezes, revelou que o valor total investido pelo Cruzeiro no departamento de análise de dados, durante o ano passado inteiro, foi de pouco mais de R$ 1 milhão – quantia irrisória para um clube da elite nacional, principalmente quando se vislumbra o retorno financeiro com títulos e negociações de jogadores formados no clube.

Numa realidade em que Flamengo e Palmeiras se destacam cada vez mais dos rivais por conta da capacidade de gerarem receitas (e então gastarem milhões em contratações), clubes como Athletico e Santos precisam usar a inteligência para brigar no mesmo patamar.

O departamento de futebol do Peixe está em boas mãos – mas é bom ressaltar que os frutos virão a médio e longo prazo. Será preciso paciência.


Bruno Guimarães e Renan Lodi têm as digitais de Autuori e William Thomas no Athletico. 
É nesse modelo que o Santos deve se espelhar para competir com os clubes de maior receita 
 Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

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