terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Novo diretor-executivo defende plano de austeridade santista: "É irreversível"


Dagoberto Santos comanda corte nos gastos do clube, diz que baixou a folha de pagamento do elenco em R$ 2 milhões e que não teme ver equipe atrás dos rivais

Desempenho em campo, saneamento nas contas. A fórmula parece contraditória, especialmente no futebol brasileiro da última década, que se acostumou aos gastos exorbitantes graças ao aumento das receitas na período. O descontrole cobrou a conta: clubes endividados e calotes a jogadores, funcionários e ao fisco.

O Santos, portanto, não é uma exceção por ter iniciado 2015 naquela que os atuais dirigentes apontam como a pior crise da centenária história alvinegra. Para combatê-la, parte da receita já foi aplicada: foi feito um considerável corte nas despesas – só a folha de pagamento do time profissional ficou R$ 2 milhões por mais barata por mês.

O diretor-executivo Dagoberto Santos, que assumiu o cargo remunerado assim que o presidente Modesto Roma Júnior tomou posse em janeiro, coordena essa tarefa de reequilibrar as finanças de um clube que viu os milhões arrecadados com a venda de astros como Neymar e Ganso evaporarem rapidamente.

– A receita é uma variável, que depende do mercado, do posicionamento da sua marca, de investidores, patrocinadores. Mas a redução de gastos depende só de você, de estabelecer uma política e persegui-la de forma bastante intensa – afirma Dagoberto, em entrevista exclusiva ao GloboEsporte.com.

O executivo garante que as medidas não são encaradas como emergenciais, mas como a filosofia da nova gestão. Com experiência no mercado financeiro e passagens pelo Clube dos 13 e pelo Atlético-PR, ele pretende incorporar à administração do Santos estratégias comuns ao setor corporativo.

– Você não faz saneamento de um clube em um ano ou meses. Na proporção que o Santos está endividado é tarefa para três ou quatro anos. Temos de estabelecer políticas corporativas, metas a serem atingidas, e começar a cumpri-las. Não adianta fazer um discurso diferente da ação.

Na conversa com o GloboEsporte.com, Dagoberto também relembra o clima no vestiário da equipe, quando o atraso nos pagamentos já somava quatros meses e atletas buscavam a Justiça para deixar o time, comenta sobre a contratação de Leandro Damião, diz que a base é prioridade e que não teme que essa austeridade apregoada afaste o Santos dos rivais.

GloboEsporte.com: Na primeira entrevista do Modesto, ao assumir, ele usou a palavra “grave” para descrever a crise. Um mês e meio depois, qual a situação?

Dagoberto Santos: Ela continua grave, sem dúvida nenhuma. Porém estamos criando alternativas possíveis para o saneamento dela. Principalmente, eliminamos a pressão que existia sobre (atrasos de) salários. Tínhamos de manter um time competitivo e naquela primeira semana eram quatro jogadores tentando sair por vias judiciais. A sensação era de que outros jogadores poderiam utilizar do mesmo expediente. Precisávamos colocar um torniquete nesta hemorragia, e ao mesmo tempo buscar jogadores para reposição. Porque o nosso entendimento é que por melhor que você faça um programa de austeridade e saneamento, se a bola não entrar você vai cravar a sua administração como uma administração que não teve o sucesso esperado. 

O que vocês encontraram no vestiário, ao chegar?

Era um clima muito ruim, pesado. Existia uma provável saída coletiva. Tivemos que atuar fortemente em cima disso. Assumimos um compromisso de regularizar essa situação. Pedimos um crédito aos jogadores. Conseguimos no primeiro mês de mandato fazer o pagamento de todos os salários que estavam atrasados. 


Onde o Santos busca receitas nestes primeiros meses do ano?

Sanear não significa só aumentar receita, mas reduzir custos. A receita é uma variável, que depende do mercado, do posicionamento da sua marca, de investidores, patrocinadores. Mas a redução de gastos depende só de você, de estabelecer uma política e persegui-la de forma bastante intensa. Já conseguimos fazer isso em nosso elenco de profissionais. Ele hoje é formado por 30 jogadores e temos uma folha de R$ 3 milhões ao mês, uma economia de R$ 2 milhões mensais em relação ao ano passado. O que equivale a R$ 24 milhões por ano, que é um patrocínio de camisa. 

Uma folha de R$ 3 milhões é baixa para os padrões de um grande clube brasileiro. Dá para manter um bom time com um investimento neste patamar?

Sim, se levarmos em consideração que o jogo vem antes do jogador. Temos de criar uma filosofia de trabalho em que o coletivo prevaleça. Temos que ter um jogo que tenha a cara do torcedor. Aí começam a aparecer os talentos individuais. Mas a força do time vai ser a força do grupo, não necessariamente de um ou dois (atletas). 

Mas essa política de pés no chão anda na contramão do que temos visto no futebol brasileiro...

É a contramão, mas é irreversível. Ou você adota uma política de profissionalização do clube, deixando a emoção de lado, ou você vai viver as mesmas experiências do passado, gastando mais do que arrecada até voltar a inadimplir. Acho que esse novo projeto de responsabilidade fiscal pode ajudar bastante neste sentido, porque ele cobra algo que é importante, que é a penalização esportiva. Mas não pode ser muito duro como se apregoa, senão vai decretar morte súbita de alguns clubes. O grande segredo é que o tamanho da parcela tem de caber no fluxo de caixa do clube. Se não couber, o clube volta a inadimplir e retoma novamente o círculo vicioso de gastar mais do que arrecada. 

Diante dessa visão, uma contratação como a do Leandro Damião, feita no ano passado, não caberia mais no Santos?

Em hipótese alguma. Não faz sentido gastar o valor que se gastou, e não estou aqui tirando os méritos do jogador, mas era um valor fora da realidade. Estamos torcendo para que ele tenha sucesso (no Cruzeiro, para onde foi emprestado), para que ele possa ser vendido para recuperarmos esses valores. Ele é um ativo do Santos, um jogador do Santos e como tal vai ser tratado sempre. 

Você teme que essa política de austeridade deixe o Santos atrás dos principais rivais?

Não é o que está parecendo no Campeonato Paulista. Todo mundo colocou o Santos como coadjuvante, mas estamos surpreendendo. Ainda é o momento do encaixe, do entrosamento. O importante é formar um grupo, ter um jogo, e peças importantes dentro do elenco. 

A saída dos jogadores que foram à Justiça, que ganhavam salários altos, foi um alívio para vocês?

Não fazia parte dos nossos planos não contar com esses jogadores. Mas fomos muito rápidos no processo de substituição desses jogadores. Buscaríamos alternativas, mas teríamos de fazer economia, não tenho dúvida disso. A chave para a temporada é desempenho em campo, mas austeridade e saneamento. Essas coisas têm que andar de mãos dadas. Você não faz saneamento de um clube em meses ou em um ano. Na proporção que o Santos está endividado, é tarefa para três ou quatro anos. Temos de estabelecer políticas corporativas, metas a serem atingidas, e começar a cumpri-las. Não adianta fazer um discurso diferente da ação.

O descontrole nos gastos nos últimos anos serve como lição para o Santos?

Não podíamos ter uma folha de pagamento maior do que R$ 3 milhões. Você pode ter um jogador ganhando R$ 1 milhão, e o resto ganhando a diferença. Também não podemos ultrapassar os 30 atletas. Se quiser trazer o 31º, alguém vai ter que sair para dar lugar.

Qual seu papel no no dia a dia da equipe?

Gosto de me envolver no futebol. Poderia ter ficado na Vila Belmiro, mas fizemos a opção de vir aqui para o CT. Optamos por pegar a nossa atividade fim, que é o futebol, e tê-la sob controle. A coisa estava muito complicada quando chegamos. Tenho como estilo assistir preleções, concentro com jogadores, assisto treino, discuto com técnico, vou ao vestiário. Assim, tenho a capacidade de agir preventivamente, de sentir o entusiasmo do grupo e tomar decisões pontuais para evitar que algum tipo de problema possa acontecer. 

Como você vê as parcerias no futebol, o Santos está aberto a elas?

Sim, desde que sejam muito claras e transparentes em suas intenções. Não pode ficar nada escondido. 

Nesse ponto, você se refere à venda dos direitos do Gabriel, do Geuvânio e do Daniel Guedes ao Doyen?

Sobre as questões da gestão anterior, prefiro não tomar nenhuma posição, porque é algo de ordem política, e minha função no Santos é técnica. 

Mas vocês conversaram com o fundo Doyen sobre essa negociação? Podem tomar alguma medida?

Vamos atuar em cima de documentos. Se foi feito, foi feito. Estamos analisando. Quando tivermos as informações, vamos nos posicionar. Há uma auditoria levantando todas essas questões. 

A venda do Neymar é uma ferida que ainda não se cicatrizou. O Santos tentou ter acesso aos documentos, mas não conseguiu. A DIS conseguiu na Justiça que o Wagner Ribeiro mostre os papeis à empresa. Qual a posição desta nova gestão com relação a este assunto?

Difícil fazer a avaliação sem ter a realidade dos fatos. O que temos é um número de versões muito grande com relação a isso. Uma coisa posso te garantir: essa gestão vai defender os interesses do clube em qualquer instância que for necessária. 

Vocês pretendem mexer nesse vespeiro ainda?

Se encontrarmos algo que nos dê a chance de buscar alguma coisa, vamos atrás disso. 

Como você vê o trabalho da base no Santos?

É o mais importante, a menina dos olhos do Santos. O clube tem história nisso. Estamos reestruturando a base, queremos criar essa mesma forma de jogo. Não é a base que vai jogar igual ao profissional, é o profissional que vai jogar como a base. O DNA do jogo começa lá embaixo. 

O ex-presidente Odílio Rodrigues diz ter deixado assinado um projeto de novo CT para a base. Vocês já tiveram acesso a ele?

Ainda não vimos, mas acho que qualquer projeto que envolva a base é prioritário. A minha opinião é de que a construção de um CT para as categorias de base é mais importante do que uma arena neste momento. 

Na sua visão, a base é mais importante para gerar receitas ou montar um time?

As duas coisas. Você está construindo ativos, e temos que encarar que futebol é negócio. E o futebol ainda vai depender muito da compra e venda de jogadores.

Globoesporte.com

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