Ex-Arsenal, Sandro Orlandelli participa da escolha do técnico, dá última palavra na contratação de reforços e ajuda a criar modelo de jogo para a equipe
Sandro Orlandelli se definiu mais de uma vez como “anônimo” em conversa com a reportagem. Ele não é, de fato, conhecido de grande parte do público. Seu cargo no Santos não tem um nome definido e ele nem tem uma sala de trabalho só dele. Mas esse anônimo, talvez, seja o maior responsável pelo futebol que o time vai apresentar nos próximos anos. É dele a função de dar uma cara ao Peixe, desde as crianças de 11 anos, passando pelas escolinhas, pelo futsal, até chegar à equipe de Oswaldo de Oliveira. Uma espécie de "olheiro premium", apesar de o clube ressaltar que o termo "olheiro" está bem aquém das responsabilidades de Orlandelli.
E como ele pretende fazer tudo isso? Com sua intuição apurada e o maior número possível de informações. São softwares, um time de observadores, rede de contatos e dois jogos de futebol assistidos por dia, em média, para aproximar o Santos do “erro zero” na hora de contratar um jogador. Orlandelli é responsável por encontrar talentos que se encaixem no perfil desejado pela diretoria e determinar um modelo de jogo no clube. Uma função bem parecida com a do personagem vivido por Brad Pitt no filme Moneyball, que conta a história de um gerente de um time de beisebol que obtém êxito justamente com uma forma mais pragmática de aplicar dados estatísticos ao esporte.
Orlandelli sabe qual a velocidade atingida pelos atletas em cada movimento, sua capacidade de mudar de direção, quantas vezes ele ganha ou perde uma disputa de bola no contato corporal, entre outras centenas de informações contidas em fartos relatórios.
Ele trabalha na Vila Belmiro há pouco mais de um ano. Seu currículo é respeitável: formação de técnico e observador nas federações inglesa, italiana e escocesa, passagens em diferentes funções por clubes como Corinthians e São Paulo, e uma longa colaboração como responsável por mapear talentos para o Arsenal na América Latina. Também chegou a ser diretor de futebol no Atlético-PR, mas fracassou na função. Diz ter ficado sozinho no clube.
No Santos, mais nenhum reforço é contratado sem sua aprovação. Cicinho, Mena, Thiago Ribeiro, Leandro Damião... O último foi o meia Lucas Lima. Desde o ano passado, ele tem sido observado por meio de números e, sobretudo, pessoalmente.
- Ele é um potencial. Tem qualidade do passe de 30 metros, que é raro no Brasil, enxerga o jogo antes de receber a bola para fazer a metida de bola. Não é tão rápido, mas tem boa mobilidade. É um criador de jogadas, não faz muitos gols e é isso que vamos tentar colaborar com ele.
Orlandelli não aconselha a diretoria a contratar sem que o jogador seja visto in loco no estádio, embora admita que a necessidade de decisões rápidas no futebol profissional possa apressar as coisas. Na base, agora, o Peixe leva atletas para serem observados dentro do clube. Qualidade e postura são medidas.
Para ajudá-lo, nove profissionais chamados “scout” ou “satélite” estão espalhados por regiões estratégicas do país. Eles fazem um filtro inicial de jogadores que possam interessar, para que uma lista mais restrita chegue às mãos de Orlandelli.
- Nos campeonatos regionais, assistimos a pelo menos dois jogos de cada equipe. Depois selecionamos jogadores que se destacam e passamos a acompanhar mais de perto. Uso um padrão de análise que leva certo tempo para obter resultados. Mais do que trazer jogadores, o foco é filtrar, evitar que cheguem reforços sem o perfil do clube.
Até mesmo a contratação de Oswaldo de Oliveira, no início do ano, passou pelo “manda-chuva”. O departamento de futebol queria um técnico que trabalhasse em sintonia com o analista. Por enquanto, segundo ele, tem dado certo. Orlandelli se derrete em elogios pelo comandante, com quem tem reuniões semanais para emplacar o modelo de jogo que deseja para o Santos: rápido, compacto, envolvente.
A cada jogo, um relatório de 62 páginas de dados coletivos e individuais é produzido. Ele diz que o software existe em qualquer clube minimamente organizado da Europa e em alguns do Brasil, mas que a diferença é a interpretação. Orlandelli rejeita ficar preso a números. Para ele, a intuição tem de falar mais alto ao indicar ou analisar atletas.
- Nós fazemos uma análise qualitativa, fugimos dos números. É olhar para o jogador e identificar seu gesto técnico, o toque de bola, as tomadas de decisões, expressões gestuais que revelam características. Claro que vamos errar porque o futebol é uma ciência inexata. A ciência jamais vai substituir o talento.
Apesar da “fuga dos números”, alguns chamam atenção. De acordo com o analista, um time precisa de mil ações corretas numa partida. Aos jogadores jovens são indicados de quatro a cinco mil minutos em campo por ano para que haja evolução, algo em torno de 50 partidas completas. Por isso, mesmo promovidos ao grupo principal, os campeões da Copa São Paulo de Juniores voltarão à base sempre que o técnico solicitar suas presenças.
A decisão, que também teve o crivo de Sandro Orlandelli, serve como um teste de postura para os garotos. Quem reclamar por descer de categoria perderá muitos pontos. Ao mesmo tempo, a medida pode fortalecer os jovens e também o time de Oswaldo, que lidera o grupo C e tem a melhor pontuação do Campeonato Paulista ao lado do Palmeiras.
O bom desempenho ainda está muito aquém do que o Peixe pode demonstrar na temporada. Quem bate nessa tecla é Orlandelli.
- Estamos numa fase inicial, vejo o time em 30 ou 40 por cento do ideal. Ainda conseguiremos chegar a um número muito maior em termos de desempenho de jogo. Não quer dizer que vamos multiplicar os gols, por exemplo, mas em volume, consistência. Podemos chegar aos 100%, mas queremos chegar bem, com os jogadores conseguindo dar o máximo.
Globoesporte.com
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