terça-feira, 4 de setembro de 2012

O dia em que tirei Ganso do meu time

Quando o Santos massacrou o Naviraiense por 10 a 0, na Copa do Brasil de 2010, pensei alto na redação: “Esses dois moleques precisam ir para a Copa do Mundo”. A primeira reação de quem estava ao meu lado foi me chamar de louco. Ganharam de quem? Naviraiense, que time é esse? Não têm experiência internacional, não têm bagagem de seleção.


Eu sabia tudo o que Ganso e Neymar não tinham. Mas, naquela noite, eu estava impressionado, mesmo, com o que a dupla tinha, com o que ela mostrava a cada semana. Neymar era o coração, o imprevisível, a faísca de genialidade; Ganso era o cérebro, um previsível encantador, a sobriedade e a eficiência, igualmente geniais.

Nos jogos seguintes àquele histórico 10 a 0, Neymar e Ganso continuaram encantando os santistas, irritando os adversários e entrando nas discussões em todas as mesas de bar, sejam quais fossem as preferências clubísticas dos envolvidos. Não era mais uma coisa de Santos, de São Paulo, era quase um clamor nacional. Internacional, também: fui à Argentina meses antes do Mundial e mais uma vez tive de ouvir “Nossa, esses meninos do Santos vão arrebentar na África do Sul”. Não, não vão. Eles nem serão convocados.

Quando desci em Johanesburgo, o primeiro taxista sul-africano, ainda no aeroporto, perguntou por quatro nomes. Neymar? Ganso? Pato? Ronaldinho? Nenhum deles estava na seleção de Dunga, talvez nem todos merecessem. Por essas ironias, o taxista se chamava Justice. “Justice is my name, Justice is my rule”, ele disse três vezes durante o caminho.

O taxista pode ter feito alguma intenção maldosa sobre a seleção de Dunga, mas não foi isso que determinou o destino da seleção na Copa. Talvez Ganso e Neymar não pudessem fazer nada, também. A justiça às vezes não escolhe nomes.

Pois a vida voltou ao normal após o fim da Copa do Mundo, e a Copa do Brasil era o maior assunto do futebol nacional. Na decisão, o Santos passou pelo Vitória. Ganso e Neymar conquistavam seu primeiro título nacional – o estadual fora conquistado meses antes. Conquistavam, cada vez mais, a confiança e o coração de torcedores que iam além dos santistas.

Foi nessa época que fui convidado a escrever o livro “Os dez mais do Santos”. A honra de escrever sobre o mais vitorioso time do futebol brasileiro – o clube que teve Pelé, que levou o nome do país para o mundo, que parou uma guerra, foi enorme. Como enorme foi, também, a primeira dúvida que veio à cabeça. “Será que Ganso e Neymar vão entrar nesse time?”

A tarefa era ouvir nove jornalistas, cada um deles faria uma lista com dez jogadores que considerassem os melhores da história do Santos. A décima lista teria de ser feita por mim. E quando a soma dos votos chegou às minhas mãos em março de 2011, Neymar tinha três votos; Ganso estava com quatro.

Tive de pensar. Se votasse em Neymar e Ganso, os dois poderiam entrar no livro. Se votasse só em Neymar, ambos ficariam empatados, e eu teria de decidir qual dos dois iria ganhar um dos dez capítulos da obra. Um voto apenas em Ganso colocaria o meia como um dos dez maiores jogadores da história do clube.

Na época, o camisa 10 estava machucado e tendo o nome ligado a uma possível transferência ao Corinthians. Neymar, por sua vez, continuava brilhante, mais maduro após a discussão com Dorival Júnior, que acabou acarretando a saída do treinador do Santos, durante o Campeonato Brasileiro do ano anterior.

Votei apenas em Neymar e, no desempate, decidi novamente em favor do atacante. Tirei Ganso do meu time e, depois, do meu livro.

Hoje, quase sete meses após o lançamento, mais de um ano e meio depois de ter tomado a decisão, nenhum torcedor santista veio me questionar. Nunca ouvi um “Por que o Ganso não está na sua lista?”.

A resposta, com certeza, não é “porque ele não tem capacidade” ou “porque não é um excelente jogador”. Ganso mostrou, em pouco menos de um ano em que esteve no auge e sem lesões, que pode ser as duas coisas.

Mas vieram as propostas, os desencontros, as declarações polêmicas. Ganso, hoje, ainda veste a camisa do Santos. Mas, ele mesmo já admitiu, não consegue se concentrar como antes em meio a tantas especulações, boatos, informações que já colocaram o meia no São Paulo, no Inter, no Grêmio.

Um dia, quero muito me arrepender de ter excluído Ganso do meu time. Mas esse dia ainda não chegou. Temo que ele nunca chegue.
 
Thiago Arantes/ESPN

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