quinta-feira, 5 de julho de 2018

Caso policial evidencia dificuldade do Santos por profissionalização



Santos tem dificuldade em busca de profissionalização (Ivan Storti)

Parte do Comitê de Gestão do Santos vê a necessidade de um CEO no clube. O chief executive officer, ou diretor executivo, de forma resumida, executaria as decisões tomadas pelo presidente, vice e demais membros da diretoria. A presença de alguém de mercado para essa função tão importante representaria o ápice da profissionalização, como no Flamengo e Grêmio. Para chegar lá, porém, o Peixe precisa conseguir driblar uma série de fatores.

Disposto a mudar a estrutura administrativa do alvinegro, com um novo organograma, o presidente José Carlos Peres não terá vida fácil. E um grande exemplo foi visto nesta quarta-feira, na Vila Belmiro. A demissão de um assistente administrativo virará caso de polícia.

Luiz Fernando Souza, conhecido como Luizinho Hotshows, soube de sua presença na lista de possíveis cortes. E na madrugada de terça para quarta, criou um grupo no whatsapp com o presidente José Carlos Peres, o vice Orlando Rollo, o gestor Pedro Doria e o executivo de marketing Marcelo Frazão.

O áudio de 13 minutos e 34 segundos vazou. Essa gravação foi o motivo de demissão por justa causa. De acordo com relatos de funcionários da Vila, Luizinho saiu do estádio revoltado, com ameaças a pessoas do Recursos Humanos e seguranças, além de juras de morte a Peres, Pedro e Frazão.

De forma resumida, Luiz negou a ameaça na própria mensagem e lembrou de sua ajuda na campanha de Peres e Rollo após deixar de apoiar Modesto Roma. Segundo o relato, ele investiu e comprou votos antes da eleição em dezembro, merecendo mais do que o ex-cargo. Houve um “pedido” para a permanência, com a admissão de envolvimento com drogas no passado e a justificativa de “foco” no momento, com idas à igreja e nova postura depois de pedidos de familiares.

“Esqueçam o Luizinho, estou na minha. Vou ter oportunidade de falar com um por um. Não tirem o pão e o leite dos meus filhos. Se eu sair, vocês vão sair também. Papo de homem. Se eu sair, vai dar m****. Vocês não vão ficar sem ir no Santos. Vão ter que falar quem foi. Posso ser preso, mas uma hora vou sair. Vocês estão me traindo”.

Preocupado com os fatos ocorridos, o presidente Peres vai registar um boletim de ocorrência como medida de segurança na tarde desta quinta, no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), em São Paulo. Outros funcionários prometem seguir o mesmo caminho em Santos.

Choque de gestão?

José Carlos Peres e Orlando Rollo prometeram uma nova administração no Santos, com prioridade ao talento, sem conchavos. “A ocupação de cada cargo se dará sempre em respeito à meritocracia. Uma consultoria especializada indicará as melhorias necessárias à estrutura de cargos e salários”, disse trecho de campanha.

Na prática, porém, a diretoria absorveu grande parte da chapa: apoiadores, investidores e amigos, com vários salários acima do mercado. Poucas foram as contratações “apenas” pelo currículo. “Santos não pode ser uma teta. Uma teta com 420 chupetinhas (funcionários) para mamar do leite. E não dá para dar leite para todo mundo… É uma analogia correta, é verdade. É difícil atender todo mundo. Não tem leite para todo mundo, gente. Temos um limite”, disse Peres, em março.

E depois de um primeiro semestre conturbado politicamente, inclusive com pedidos de impeachment, o presidente resolveu agir para corrigir os erros. Para sustentar seu argumento, Peres aceitou desligar aliados, como Daniel Bykoff, ex-gerente jurídico e assessor executivo. A tentativa de profissionalização, porém, faz o clube rachar.


Ricardo Gomes foi um dos poucos profissionais de mercado contratados (Divulgação/Santos FC)

Resistência

O presidente Peres, amparado em relatório da PCM, empresa de consultoria, sugeriu pouco mais de 20 demissões. Após duas reuniões para tratar do assunto, o Comitê de Gestão aprovou a reformulação com ressalvas e deu o aval para gerentes ajustarem suas equipes, dentro de limites orçamentários. Na prática, porém, não foi bem assim.

Três cortes foram feitos – Bykoff e Mayti Justo, no jurídico, e Luizinho Hotshows por justa causa. Os executivos Marcelo Frazão, no marketing, e Ricardo Feijoo, no administrativo/financeiro, por exemplo, ainda não tiveram a aprovação para mudanças. E sem o organograma definido, o colegiado precisa aprovar cada rescisão, burocratizando o processo.

Alguns fatores atrapalham esses primeiros passos em busca da profissionalização: motivações políticas, amizade, intimidação por represálias como a de Luizinho e limitação estatutária. O CG está dividido e o vice-presidente Orlando Rollo rachou politicamente com Peres.

Mudanças no estatuto

O presidente José Carlos Peres sugeriu uma nova estrutura administrativa, mas, além das razões já mencionadas, o Estatuto Social atual não permite mais de duas superintendências (operacional e futebol). Conselheiros discutem mudanças em breve no regimento e até o fim do Comitê de Gestão é estudado.

A ideia original foi racionalizar e hierarquizar todas as posições do clube abaixo de quatro executivos: Marcelo Frazão (comunicação, marketing e patrimônio histórico), Ricardo Feijoo (administrativo/financeiro), Ricardo Gomes (futebol profissional, feminino, categorias de base e futsal) e Rodrigo Gama Monteiro (jurídico).

As duas áreas diretamente ligadas ao vice-presidente Orlando Rollo passariam por alterações: a segurança ficaria sob a administração de Feijoo e os esportes olímpicos teriam um responsável, mas com terceirização e licenciamento de marca para evitar déficits nas modalidades.

Para avançar por mudanças a curto prazo, Andres Rueda, membro do Comitê de Gestão, sugeriu um CEO, com a manutenção de apenas duas superintendências, como prevê o estatuto, e um novo regulamento interno para o colegiado, com validação de contratos e decisões mais rápidas, via mensagem, sem necessariamente a deliberação em reunião presidencial.

“É um modelo usado na maioria das empresas de porte. Um CEO toca a gestão do clube e faz a interface com o Comitê de Gestão. Essa estrutura com CEO impede a mistura da área política com a área profissional. E aí na mudança de gestão o novo presidente muda o CEO para um de sua confiança e pronto. Isso é profissionalizar o clube”, disse Rueda, à reportagem.

“O contrato só teria validade jurídica se estivesse anexo à ata do Comitê de Gestão (presencial ou não). Caso contrário, o contrato seria nulo. Nenhum dos últimos escândalos do clube teria ocorrido: Leandro Damião, Geuvânio, comissão do processo contra Neymar, Doyen, Jackson Porozo… Todos não foram aprovados pelo CG. O modelo está errado e as pessoas se aproveitam disso”, complementou o gestor.


Andres Rueda sugere mudanças no Santos (Divulgação)

Rivais à frente

Com Estatuto Social antiquado, o Santos está “amarrado”: o presidente tem dificuldade para governar, a maioria do Comitê de Gestão precisa aprovar as decisões e os gerentes não têm a liberdade necessária em suas respectivas equipes. Outros grandes clubes do futebol brasileiro vivem situação bem diferente. Flamengo e Grêmio têm CEO e diretorias executivas bem definidas.

Em comparação estadual, o São Paulo tem diretoria eleita e diretoria executiva, aprovada por um Conselho de Administração para até nove membros, com dedicação exclusiva ao exercício das funções. No Peixe, não há remuneração prevista para presidente, vice e gestores. No Tricolor, o presidente pode montar seu organograma e propor ao Conselho de Administração (não ao Deliberativo, como no alvinegro). O processo é mais ágil e não há obrigatoriedade de determinada diretoria, com limite de nove profissionais.

Flamengo e Grêmio têm CEO e diretorias executivas (nos cariocas, 7, nos gaúchos, 5). Fluminense tem Conselho de Administração, um diretor geral e três ramificações (unidade de negócios, back office e geração de receita). O Vitória possui cinco diretores e o vice-presidente acumula os esportes olímpicos (a exemplo do Santos).


Organograma do Flamengo (Divulgação)
Organograma do Grêmio (Divulgação)

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