quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Elano lembra 2002 para tirar pressão de jovens: "Ninguém nos conhecia"


Em conversa com o GloboEsporte.com, veterano fala sobre seu papel na formação dos garotos, elogia a atual gestão e diz: “Dia de jogo do Santos, é dia de alegria”

Ninguém do atual elenco do Santos fez mais jogos com a camisa alvinegra do que Elano. Em sua terceira passagem pelo clube, soma 289 participações. Após perambular por Grêmio, Flamengo e até em uma aventura no futebol indiano, o meia se sentiu à vontade ao pedir a palavra durante reunião feita pelo grupo antes da estreia no Campeonato Paulista, quando o ambiente conturbado pela crise financeira nocauteava a confiança da torcida no time que se formava.

Diretoria recém-empossada, cofres vazios, salários atrasados, atletas na Justiça e reforços que passavam longe da unanimidade – o próprio Elano entre eles – formavam um cenário de pouca esperança na Vila Belmiro. Mas que não era novidade para o veterano de 33 anos. 

– Na minha chegada, nós tivemos uma reunião no auditório, e procurei passar o que eu vivi em 2002 – diz ele, sobre a temporada que teve momentos tão turbulentos quando o atual, mas com um final inesquecível para os santistas.

– Passávamos pelo aeroporto, ninguém nos conhecia. Ninguém pedia autógrafo para o Diego e o Robinho. O Santos agora vive fase parecida, mas um um pouco melhor. Espero nunca mais vai ver o clube como era quando cheguei, em 2000. Tomávamos café dentro de uma Kombi. Tínhamos só três ou quatro chuveiros – lembra Elano, que pouco depois do perrengue seria um dos protagonistas do título brasileiro que tirou a equipe de uma fila de 18 anos.

Para o jogador, a comparação com a situação de 13 anos atrás é importante para que a garotada do atual elenco entenda que futebol se resolve dentro de campo.

– O que eu tento passar para eles é que não pensem que são bons de domingo para quarta. No próximo domingo, você pode ser ruim outra vez. Temos de respeitar os adversários. Ganhar ou perder faz parte, mas tem de vender caro a derrota. Tinha uma coisa que falávamos em 2002: dia de jogo do Santos tem que ser dia de alegria. (A alegria) voltou.

Elano retornou à Vila Belmiro nesta temporada, com um contrato curto, até o final do Paulista, e um salário bem abaixo da realidade do mercado – cerca de R$ 40 mil. Em entrevista exclusiva ao GloboEsporte.com, ele não só lembrou dos bons momentos da surpreendente campanha de 2002, mas também elogiou a atual administração alvinegra, colocou na conta da anterior a sua saída, em 2012, e falou sobre a tristeza que sentiu quando se lesionou durante a Copa do Mundo na África do Sul, quando era um dos principais jogadores do elenco comandado por Dunga. 

O retorno ao Santos

– Nem precisa insistir muito para eu voltar. Foi uma conversa muita rápida, uma vontade que eu tinha de continuar minha história no Santos. Teve uma brincadeira com o Robinho num jogo beneficente, em dezembro, quando um repórter me perguntou se eu voltaria para Índia. O Robinho ouviu e falou: “Ele vai comigo para o Santos”. Foi quando as portas se abriram. 

Modelo de contrato

– Eu já vim sabendo (como seria). Não teve reunião, discussão. Quando houve a conversa, eu já sabia da situação (financeira do clube). Eles me ofereceram um ano, eu avisei que não queria contrato longo. Eu disse: “Vamos fazer o melhor em campo para colocar a casa em ordem, é sempre uma honra poder ajudar”. Eu não estava preocupado com o que iam me pagar. O momento não pede isso. Por isso acho que em tão pouco tempo o Santos já anda nos trilhos, como sempre fez. Eu tive conversas com outras equipes, mas não ia jogar em outro clube do Brasil que não fosse o Santos. 

Passagens por Grêmio e Flamengo

– Tenho uma gratidão muito grande por esses clubes. Não tenho arrependimento, não tenho mágoa. Mas eu construí uma história no Santos, como seu eu fizesse parte de cada tijolinho. Cheguei aqui, ninguém me conhecia. Não sabiam quem era o Elano, eu não tinha jogado em lugar nenhum. Hoje tenho uma história, pude dar retorno ao clube, alegrias dentro e fora do campo. A (minha) identificação com o Santos é muito grande. 

Reflexão sobre a carreira

– O Flamengo foi maravilhoso. A conversa com a diretoria (para a minha rescisão) foi muito direta. Com grande alegria, posso dizer que eu tomei a decisão de dar um tempo, não era mais aquilo que eu queria viver, eu precisa me reconstruir. Colocar os pés no chão e ver os caminhos que eu seguiria. Eu não tinha (acertado com) clube algum. Não queria nada, só queria um tempo para mim, para ir para casa conversar com a minha esposa, com as minhas filhas, ver o direcionamento que iríamos tomar. Desde a minha saída do Santos, houve algumas conturbações. Perdi o pênalti na Copa América (em 2011, na eliminação para o Paraguai nas quartas de final), tive problemas de lesão. Eu fui insistindo. Mas têm certos momentos da vida em que precisamos parar. Acho que eu deveria ter feito essa reflexão um pouco antes, demorei. Hoje chego a esse momento, alegre, feliz, em condições de jogar 90, 100, 200 minutos. 

Sem rancor

– Não guardo mágoa de ninguém. Se tenho inimigos, não sei. Nem do meu pior treinador, no Guarani, que há 20 anos mandou eu cortar cana. Eu saí (em 2012) por causa da diretoria do Santos. As pessoas que estavam aqui foram incompetentes. Você pode ver pela forma como eles deixaram o clube, cheio de dívidas, com jogadores entrando na Justiça. Eles acharam que eu estava incomodando, não estava em um momento muito bom, começaram a externar o quanto eu ganhava, para que isso gerasse um desconforto maior. Preferi me retirar, e o Grêmio foi uma grande oportunidade. Foi um bom ano lá. 

Relação com o torcedor

– A torcida sabe (quem é o Elano). Meu caminhar na rua prova isso, vejo a alegria deles. Teve que ser na terceira passagem para eles entenderem que estou aqui de coração. Eles sabem que toda vez que entro em campo é com muita alegria, com muita gratidão. Cheguei aqui com jogadores na Justiça, funcionários com salários atrasados. Dois meses depois, estamos com quase todas as folhas de pagamento em dia. Esse é o Santos que estou acostumado. Cobramos que a diretoria continue honrando suas obrigações. E nós, dentro de campo, vamos lutar, e pedir para o torcedor vir ao estádio nos incentivar. É um começo promissor. Diretoria, jogadores e funcionários estão no mesmo barco. 

Seleção

– Eu acredito que não volto mais para a Seleção, devido ao tempo, à reformulação. Está mais distante. A minha avaliação (pela Seleção) é melhor do que a que tive nos clubes. Foram 68 convocações, tive um erro (o pênalti perdido contra o Paraguai) em seis anos e meio. Joguei duas Copas América, ganhei uma, ganhei Copa das Confederações, joguei eliminatórias. Fiz gols importantes nos grandes clássicos, contra Argentina, Portugal e Itália. 

Pior momento com a Seleção

– A lesão (em jogo contra a Costa do Marfim, na Copa de 2010). O pênalti não é programado, mas acontece. A lesão foi triste, eu fui agredido. Aquilo me machucou muito. Eu estava voando. Foi uma infelicidade. Mas já passou, a vida segue. Era o momento mais importante da minha carreira. (Quando saí de campo) não sabia (que a Copa tinha acabado). Achei que tinha sido só a pancada. Fazia tratamento em três períodos. Eu falava que queria tentar treinar. Tinha um edema ósseo no tornozelo direito, tentava me superar, mas a dor era muito forte, eu não conseguia firmar o pé, parecia que tinha uma faca no meu tornozelo. Mas pude fazer dois jogos, dois gols, estou marcado na história. Mesmo que não seja para os outros, está na minha memória. 

Clima no elenco do Santos

– Na minha chegada, nós tivemos uma reunião no auditório, e procurei passar o que eu vivi em 2002. Passávamos no aeroporto, ninguém nos conhecia. Ninguém pedia autógrafo para o Diego e o Robinho. O Santos agora vive a mesma parecida, mas está um pouco melhor. Nesses momentos, se fazemos um amistoso, temos de ganhar. Se perde, volta tudo. Quando cheguei, fiquei muito contente por ver os treinamentos intensos, o Enderson (Moreira) conduzindo muito bem, a molecada querendo. Fomos para o jogo do Ituano, principalmente eu, o Robinho, o Ricardo (Oliveira), procurando tirar o peso dos meninos. O Santos precisa vencer. Hoje o time já tem uma nova cara, mas temos de continuar com a mesma humildade. Temos até dezembro para provar alguma coisa. Alguns times estão formados há mais tempo do que o nosso, mas coloco o Santos com (a perspectiva de) um ano muito positivo. 

Lembrança de bons momentos

–Temos de lembrar dos exemplos que são bons. Não só 2002, mas 2003 (vice-campeão da Libertadores), 2004 (bicampeão Brasileiro), 2010 (campeão paulista e da Copa do Brasil), 2011 (bicampeão estadual e tri da Libertadores). É que em 2002 havia um cenário irreconhecível. Espero nunca vai mais ver o Santos como quando cheguei aqui em 2000. Era muito pior. Tomávamos café da manhã dentro de uma Kombi. O nosso amigo chegava, colocava numa salinha. Tínhamos três ou quatro chuveiros. Por isso, eu falo que olho cada tijolinho desse e me alegro. Hoje o Santos tem um hotel cinco estrelas, três campos no CT, uma academia maravilhosa, piscina de recuperação, funcionários que deixam isso em ordem. O que eu tento passar para eles (jovens do grupo) é que não pensem que são bons de domingo para quarta, no próximo domingo você pode ser ruim outra vez. Ganhar ou perder faz parte, mas tem de vender caro a derrota. Uma coisa que a gente falava em 2002, dia de jogo do Santos tem que ser dia de alegria. (A alegria) voltou. 

Papel como “mentor” dos garotos

– Eu me sinto feliz por esse papel também. Claro que tenho que ter um pouco de cautela, não posso achar que sei tudo, que posso falar tudo. Mas meu principal objetivo, já falei para o Enderson, é jogar. Com muito respeito, treinando todo dia. Em cada jogo que ele me coloque, eu (vou) me arrebentar dentro de campo. Não sou de ficar fora falando, querendo fazer média. Passo isso para os moleques. Tem que fazer média com o técnico no treinamento, no jogo. Assim você chama a atenção.

Globoesporte.com

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